Este desabafo foi escrito em 2015, recém tornada empresária, dona no meu nariz, cujo o mesmo encontra-se penhorado à oito instituições financeiras e governo.
O DELES
Até onde consigo lembrar, foi mais ou menos há uns 5 anos atrás que surgiu o primeiro lampejo de empreendedorismo no meu excel corporativo, perfeitamente licenciado pela Microsoft. Eu vestia alfaiataria, respirava o ar gelado da LG e pastava sobre carpetes impecavelmente limpos, como se nenhum café fosse servido à menos de um quilometro dali para ser derramado.
Era uma grande empresa de tecnologia e eu, com sonhos de grandeza de um dia sentar na bela cadeira de couro preto que ficava exclusivamente nas salas com paredes de meio vidro. A rotina carregada e o conforto visual são morfina para alma. O departamento de RH e suas campanhas alegres são os enfermeiros, daqueles que te amarram em algemas de couro à cama e pedem para não gritar.
A morfina anestesia ao mesmo tempo que vicia. Era sempre aquele remorso angustiante em busca de uma produtividade utópica imposta pela sua própria concepção do que “tem que ser feito no menor tempo e com a melhor qualidade”.
Ironicamente, pelo menos 8 de cada 10 campanhas deste setor, tem o nome “vida” como tema. Isso sempre me intrigou já que a palavra “trabalho” e “vida” deveriam ficar, cada uma, no extremo oposto de um dicionário de ordem humanizada.
A corrida pelo sucesso corporativo, quem dera fosse só trabalho. Acredito ainda que esse era o mais fácil dos desafios. Se produzir bastasse nesse ambiente, haveria um penhasco social ainda mais afligidor que o oásis de Dubai. Há ainda que se memorizar toda a etiqueta corporativa, na qual eu me via como completa analfabeta. Ainda entenderei um dia o porque beijar matutinamente todos os colegas de departamento e outros vizinhos, muitos dos quais chama de “doutor” ou “querida” simplesmente por não conseguir memorizar os nomes.
Além de me preocupar com a infernal tela do outlook, que explodia reuniões a cada nova rotação do cooler, era de extrema importância manter os sentidos aguçados para antecipar um possível novato selvagem que poderia estar à espreita de um espaço para se debruçar em sua mesa, com pretextos ridículos de projetos de nenhuma importância ou simplesmente para se enturmar com os novos colegas.
DE NINGUÉM
Uma passagem de um livro me chamou a atenção nessas últimas semanas. Esta parte do capítulo de A Revolta de Atlas, tratava das lembranças do empresário do aço Reagan. Já bem sucedido, com um império criado em um curto intervalo de 10 anos, Reagan se recordava dos anos quando ele começou sua carreira como um mineiro. Ele citou, que a diferença desde esta época, entre ele e seus colegas mineiros, é que ele sempre sabia o que fazer enquanto os outros aguardavam as ordens para orientá-los. Daí eu pensei: Já são dois pontos em comum que tenho com esse tal de Reagan. O segundo ponto é que sou mineira desde que nasci – de BH.
Apesar de fortes suspeitas de antepassados judeus, ninguém da minha família em primeiro grau se tornou empresário. O mais próximo disso foram as diversas empreitadas da minha mãe, que mantinha sempre um comércio paralelo de qualquer coisa que tivesse valor vendável aos amigos e vizinhos. De semi-jóias à doce de leite caseiro, a matriarca conquistou simpatias pelo raio de algumas centenas de metros de nossa antiga casa. Isso não a classificou como comerciante propriamente pois o sustento vinha mesmo do emprego de farmacêutica durante um quarto do dia útil. Já meu pai, o provedor da família, sempre honrou seu papel na segurança na carteira assinada e algumas dezenas de sonhos enterrados sob o peso de três faculdades particulares das filhas.
Todo mundo quer o “meu”. Até mesmo quem já tem, ou tem pela metade. Quando chegou aquele ponto da vida, quando você diz, é agora ou nunca, é fundamental ter a coisa toda pré-elaborada. A sensação corrosiva de que ainda não é o momento, ou a infinita dependência das próximas semanas tendem a perder força quando a idéia é realmente boa.
MEU
Cinco anos e duas empresas depois, cá estou eu. Ainda não consegui a tal cadeira de couro, mas sim, um banquinho de plástico, desses que só aguentam até oitenta quilos. A grande diferença hoje, é que esse banquinho é MEU*!
*e só custou R$9,90 no Walmart.
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